domingo, 28 de novembro de 2010

Crematório

Queime o sangue derramado
as tuas feridas fechadas
lacradas com teu orgulho

não deixes nenhuma prova
do teu crime sem castigo
dos teus pecados
largados aos teus cegos fiéis

os estigmas da tua alma
estão estigmatizados na tua carne
suja, crua, fria,
morta.

Queime todo o teu corpo
derramado em dor
nas camas ardentes
do teu passado

Jogue tuas cinzas ao vento
deixe-as irem com tuas palavras
dos amores cruéis
que de teus lábios se fizeram
que as cinzas no chão testemunharam.
01-10

Os porcos e o tempo

Não perguntes aos porcos
que horas são
pois se vão aos poucos
e sim e não
mudar não vai a sua decisão

Se queres saber
por quanto tempo ficastes no chão
olhe para o céu
e veja as nuvens que vem
e vão.

Não vai pensando
que pela contra-mão
o rio corre.
És tu quem está em outra direção

E se queres que o tempo ande
volte e meia pelo então
vire a cabeça, perca a noção

Do chão não verás
senão a alegria fugaz
das vidas mortas
pelo não.

12 jan 10

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Ubi sunt?

-Estão todos dormindo

estão todos deitados

dormindo

profundamente

(Manuel Bandeira)


A lona embrulha

O corpo sem vida

Protegendo da dor

Que se espalha

Se espalha...

Movimentando-se lentamente

Pelos corredores vazios

Cheios de ilusões.

Foram-se.

Se foram aos se perceberem

Ali, enrolados

Embalados a sangue

Se espalhando...

Se foram

Se foram querendo voltar

Se foram acreditando

Que não precisariam mais...

Indo assim

Não perceberam

Que o corpo não era um

Eram muitos, mil.

Eram seus sonhos

Espalhados

Enrolados

Espelhados

Lacrados a dor

Eram seus corpos

Eram os meus

Enrolados

Espalhados

Desprotegidos da dor

Espalhados no vazio

De sonhar

Pois estão todos dormindo

Todos deitados

Sonhando profundamente.

Cama de Memórias

Deitada, jazia.
Os lençóis eram os mesmos
remanescentes do todo
os mesmos sentimentos
que alí vivera.

Cansada, sonharia.
Mas o que valem são sonhos
relembranças de tudo
os mesmos enganos
que tivera alí.

De que lhe valiam
aquelas curvas tocadas
nos embalos
em lás menores?

Se tudo eram sóis maiores
que não raiariam mais
com o nascer do dia?

De que lhe valiam
aqueles toques embalados
enrolados no frio
de calores vazios?

Se das duas vidas
daquelas noites compridas
nada restaria
senão longas despedidas?

Deitada, ouvia.
Os lençóis eram os mesmos
aquecidos pelos medos
remanescentes do viver.

Cansada, viveria.
Mas o que lhe valeriam
relembranças desses cantos?
Se são os mesmos desenganos
-desencantos- que jazem alí.

domingo, 19 de setembro de 2010

Um e outro

Estávamos nós

sós

um com outro

assim

desse jeito.

As palavras iam e vinham

sem direção

ou motivo

aparente

vontade

de irem e virem

na sua mão.

Eramos sós

nós

um no outro

assim mesmo

sem muita explicação.

As vontades iam e vinham

para que ficar?

aparente

satisfação

para ir e vir

sem não.

Eramos o que somos

sem condição

aparentemente

sem coração.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Querer

Saibas:

Quero-te

e basta.

Basta sabê-lo

e vivê-lo

basta querer-me

e ter-me-á

Basta dizer-me

e ouvir-me-á

sussurá-lo

tocá-lo.

Saibas:

Quero-me tua

e me basta

basta-me ter-te

e viver-te

basta querê-lo

e sê-lo-ei.

Basta vir-me

e ver-me-á

sentindo-te

sonhando-te.

Saibas:

possuirei-te

e me basta.

Basta-me saber-te meu

e é o que me basta

para não querer-te aqui.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

teus-meus

Porque todas as vezes que
teus olhos
nos meus
fazem sorrisos
eu fico a acreditar
que me entendes

Mas todas as vezes que
teus lábios
contra os meus
se abriram em palavras
eu tenho a certeza
que não me sentes

Porque todas as vezes que
tuas mãos
nas minhas
fazem correr o sangue em desejo
eu tenho a certeza
que me tens

Mas todas as vezes que
teu corpo
do meu
se esvai em medo
eu tenho a certeza
que me pedes

Para sentir de novo
o gosto do cheiro grudado na pele
o coração gritando aos ouvintes
os sussuros ouvidos
de tua mente
em revelação

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Greater Walls

about you
When I first saw its size, it seemed to me unclimbable, unbearably high, undeniably strong. Even so, I stared it. Face to face, able to see only my shadow inversed projected, mistakenly gotten. My legs were heavy, heavier than ever before, but my footprints were solid. I stepped closer. Couldn't see anything but myself. Accidentally, I touched its bricks, and as so I was touched too. My cold fingers were heaten by its warmness, while drawing a feeling throughout its smoothness. It was like forever. The sun could not reach my spinning head. The wind was the only sound heard nearby. Better. The two amorphous bodies were linked in such a irreversible way that I was able to feel my soul at the back watching the red sandy blood coming down. There was no way back. Pushing myself against it, being covered by its dry powder, I went beyond my own expectations, and beyond its struggling denials. We could not help, nobody would too. To my surprise, I realised my staying on the other side. The merry-go-round mess disturbed my watered eyes, unabling them to distinguish the good from the bad inside. A chill ran through my spine. Could not move. Could not step back. Neither forward. Lips-to-lips to my faith, I brought myself down to the floor, trying to get some ground. Impossible. Too scared to understand what was going on inside those walls, I saw myself building my own protection. Fragile, torn apart, useless but mine.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Seu

O que escrevo
é o extravasar,
é o que não pôde encontrar
seu espaço parco
entre o dizer
e o pensar.
É aquilo que incomoda
que flui
e transpassa a caneta
o papel
e repassa a vida
- tentiva cruel -
da vivenda perdida
da tardia vinda
do risco no seu céu.

domingo, 7 de março de 2010

Armários

Abra seus armários...
eu ( não) estou a....
Quando se pára de tirar a poeira
da superfície
E se abrem os armários
dos tempos e dos sentimentos
O que se encontra
ao tentar se encontrar
pode ser não a si
mas a seus alicerces
Quando se remove a sujeira profunda
de seu próprio viver
Encontra-se inesperados eus
inesperados nós
Envolvidos por muitas teias
que amarram, enlaçam, prendem.
Prendem-se a nada e a tudo que não se foi
E ao remover tudo que não se foi
dá-se conta que nada poderia ter sido
a não ser o que fora
e aquilo que fora remoido, revirado assim
às claras e as limpas
incomoda, invade a falsa septicidade
da vida que se lava
e os panos molhados não incobriram
não aliviaram
tudo aquilo que jorrou
e feriu
mais uma vez

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sangue

Enquanto fechas os olhos
O coração bate ainda mais forte
não tentes não ver
pois assim verás o que mais te dói.
Enquanto abras a boca
os ouvidos não sabem
o que é dor, o que é cor
assim não terás o que te corrói
Enquanto fechas a porta da tua vida
O que fica de fora
é o teu querer mais de dentro,
mais temido, mais escondido
Por muitas vezes
abristes abraços,
os ouvidos às palavras,
as bocas aos beijos
os corpos aos toques
aos carinhos
aos amores
Enquanto fechastes o corpo
aos apelos dos sentimentos
Abristes um vão
que, pelo sim, pelo não
ao chão ficou
em sangue
E, pelo sangue
o perdão se fez em vida
que com o abrir dos olhos
abre o coração
em vão
em perdão
em canção

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Boneca

Despedaçada,
largada,
esquecida,
ela repousa.

Cabelos molhados,
pele enrugada,
cansada,
ela dorme.

Não, querida,
Ela não era de louça.
Era carne, ossos, sangue.

e coração.

Mas ainda assim
em pedaços se desfez
como uma boneca
deixada pela vida
sem criança, sem saída
largada no chão.